SEIS CAMELOS PELA NAMORADA?
Era meia-noite quando eu e a Patrícia chegámos à cidade do Cairo. Depois de três horas de atraso em Madrid, nunca pensei que o taxista da pousada ainda estivesse à nossa espera no aeroporto. Era um senhor de estatura baixa, careca e com bigode. Chamava-se Said e era bastante simpático.
Entrámos no carro rumo à pousada e percebemos imediatamente que esta cidade respirava um certo caos. Mas que confusão, o trânsito. Uma estrada de três filas que se transformava rapidamente numa de cinco ou seis. Cada um safava-se como podia. Um amontoado de carros onde o código de estrada não fazia qualquer sentido.
Sempre que olhava para o lado tinha alguém de outro carro mais perto de mim do que o meu condutor, que estava no mesmo veículo. Finalmente na pousada, acordámos um preço com o taxista para nos mostrar, no dia seguinte, as mais famosas atrações turísticas do Cairo. Chega o dia, e lá estava Said na pousada à nossa espera. O primeiro objetivo seria visitar a pirâmide de Saqqara, a mais antiga e misteriosa de todas as pirâmides, com a sua conhecida construção em degraus. À nossa volta tínhamos um quadro unicolor.
O deserto, a areia e as suas construções. Um senhor muito simpático de túnica branca ofereceu-se para nos tirar uma fotografia. Uma fotografia, duas fotografias. Agora aqui, agora ali. Parecia uma sessão fotográfica para casamentos, da qual já me estava a fartar. Percebendo que este momento se iria prolongar por muito mais tempo, agradeci toda a gentileza e pedi a máquina de volta. Quando o fulano entrega a máquina, pede-me imediatamente dinheiro. Não percebendo bem o porquê deste pedido, questionei a razão. Queria dinheiro porque esteve a tirar fotografias e não trabalhava de graça. Sem eu lhe ter pedido nada e sendo ele a oferecer-se, não achei muita piada a esta exigência.
Após alguma insistência áspera da parte dele dei-lhe uma moeda para colocar um ponto final neste remexido. O homem ficou indignado com o que lhe tinha dado e queria mais. Virei costas e fui-me embora. De seguida, visitámos a cidade de Memphis, onde se encontra o gigante colosso de Ramsés II. Esta estátua feita de uma única peça de pedra de dez metros de altura e mil toneladas de peso, mostra toda a perícia e mestria dos escultores egípcios.
Com um calor infernal e abafado, decidimos tomar um café numa esplanada com o nosso taxista, o Said. Após um minuto, já tínhamos um fulano com um ar bastante simpático a meter conversa. Tinha uma loja mesmo ao lado e queria mostrar-nos como se fazia o papel através da planta do papiro. Entrámos na loja e é claro que no final, pediu dinheiro. O efeito boomerang de uma ociosidade ao mais alto nível por parte dos nativos estava enraizado nas veias destes fulanos. Após todas estas simpatias e amabilidades disfarçadas com segundas intenções, acabei por me tornar num fulano rude e antipático. Principalmente após o próximo episódio, que vou relatar.
Estava com a Patrícia, apenas a olhar para uma mesquita, quando passou um fulano e nos diz o nome da tal mesquita. Agradeci a informação e imediatamente ele pediu dinheiro. Disse-lhe que não lhe iria dar nada, pois não lhe tinha pedido qualquer informação. Mas este insistiu pelo fato de nos ter dito o nome da mesquita. A partir desse momento transformei-me num tipo antipático. Já não olhava para ninguém. Já sabia que se estivesse a olhar para o chão, provavelmente me diriam que aquela areia seria do deserto do Saara. Olhar para o céu também estava fora de questão. Provavelmente alguém me diria que estava a olhar para um Boeing.
Visto como um mealheiro ambulante em terras do Nilo, fechei-me para o mundo. De seguida, fomos a Gizé almoçar, de onde partimos de camelo para visitar as famosas pirâmides. Um transporte engraçado, mas por vezes desagradável. Todavia, a paisagem que nos rodeava valia todo o esforço. Um almejar de beleza e venustidade medrava dentro de nós. A cada passo sentíamos o tempo a regredir centenas e milhares de anos. Uma aproximação lenta e cautelosa, até chegar a 2700 a.C. Eis finalmente as famosas pirâmides de Gizé. Sem dúvida, um momento mágico com a sensação de uma viagem ao passado.
Na vinda, o guia que estava connosco teve um inopinado descaramento. Este sedutor de bigode e pele escura ofereceu-me seis camelos em troca da Patrícia. Como não estava nada à espera deste ato absurdo, desatei às gargalhadas. Disse para falar com ela, ao qual ele respondeu que não fazia negócios com as mulheres. Insistiu mais uma vez e eu tentei não dar qualquer importância. Achei melhor nem brincar. Ele ainda me ficava com a namorada e depois eu ficaria com seis camelos para quê? Onde levá-los para Portugal ? No avião? Já me estava a imaginar a fazer o check-in no aeroporto com seis passaportes dos camelos com destino a Lisboa. Ou então uma viagem de 4 meses por terra até chegar a Portugal. Enfim! O que vale é que nos vamos rindo com algumas incongruências espalhadas pelo mundo. O mundo é mesmo assim. Uma caixinha de surpresas a cada passo e a cada cultura com que nos cruzamos.
Rui Daniel Silva