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    VIAGENS: Gana ao Benim de Bicicleta

    – GANA AO BENIM DE BICICLETA

     
    Viajar por África é sempre uma incógnita. Por mais que planeemos nunca sabemos o que nos pode esperar do outro lado do continente. Os meios de transporte são bastante escassos e por vezes é preciso esperar horas ou mesmo dias até podermos prosseguir viagem.
    Daí ter pensado em realizar esta pequena odisseia desde o Gana à Nigéria em bicicleta.
    12715346_10206003241935717_4537094558369571176_nEsta viagem teria um sabor especial já que iria visitar o país número 100, o Togo.
    Depois de inúmeras horas de pesquisa sobre os países que iria visitar, viajo finalmente para o Gana.
    Chego ao aeroporto de Acra, e quando eu pensava que estava tudo bem, e que poderia fazer o visto à chegada como me tinha informado, sou preso durante quase 24 horas por não ter visto.
    O maior problema para a polícia de emigração foi eu ter conseguido chegar ao Gana, quando por norma, a companhia aérea nem me deveria ter deixado embarcar.
    Tinha conseguido entrar num país sem visto e sem carta de convite.
    Sou levado para o posto de polícia de emigração do aeroporto onde me mandam sentar ao lado dum nigeriano que está algemado. Depois de me interrogarem sou levado numa carrinha à meia noite para o posto de emigração da capital. Entro numa sala e sou novamente questionado com uma data de perguntas.
    Sem comida e sem água, tenho de passar a noite num cubículo minúsculo.
    Conclusão, no dia seguinte vou ser deportado de volta para Portugal.
    Conformado com a ideia, surge no dia a seguir uma pequena esperança, quando o voo de volta para Istambul estava cheio. Pago uma multa, carimbam-me o passaporte e lá me deixam entrar finalmente em solo africano.
    Compro uma bicicleta, preparo tudo e lá vou eu cheio de força e com mais vontade ainda.
    Como já tinha feito uma viagem bastante similar há uns anos atrás,desde o Senegal à Guiné-Bissau, sabia que seria melhor levar alguma comida e bastante água.
    Admito que o dois primeiros dias foram bastante complicados. Tendo já um dia de atraso por ter sido preso, teria que pedalar muito mais, mas nada ajudava, desde o peso que carregava na bicicleta ao calor  insuportável. Estavam quase 40 graus.
    Todo o caminho desde o Gana ao Togo é feito ao longo da costa. Há quilómetros a fio onde não há uma única árvore. Apenas areia, mar e muitos pescadores ao longo da praia.
    A comida é bastante escassa e quando finalmente encontro uma barraca que vende comida, acabo por não comprar por esta ter um aspeto horrível. Vou me alimentando de algumas latas de atum e de pão que tinha comprado na capital antes de partir.
    Das poucas coisas boas nestas paragens, é a curiosidade das pessoas que nos rodeiam sempre com um sorriso querendo saber de onde somos e o que fazemos ali de bicicleta.
    Pedalava que nem um louco e começava a ter algumas dores musculares. Acabei por nem desfrutar dos dois primeiros dias por querer chegar o mais rápido possível ao Togo.
    Quase a ficar de noite, chego a uma aldeia e encontro uma casa que aluga quartos por 3 euros.
    12745653_10206003238455630_1877117197020720962_nEstava completamente exausto, sem forças nenhumas e sentia que a qualquer momento iria desmaiar de cansaço por ter exagerado a pedalar.
    O quarto era abafado, sem ventilação e não tinha qualquer casa de banho. Trouxeram-me um balde com água para eu poder tomar um banho.
    No dia seguinte acordo às 5 da manhã para recuperar o tempo perdido.
    Depois de algumas horas a pedalar, paro numa aldeia para comer qualquer coisa. Procuro uma sombra para descansar e há uma rapariga e um rapaz que se aproximam, querendo saber o que estou ali a fazer. Pergunto se posso encontrar algo para comer, mas a resposta era não.
    Perguntam-me o que eu gostaria de comer, ao qual eu respondo frango. Qual o meu espanto, quando passado uma hora chega a rapariga, com frango e massa que tinha cozinhado para mim em sua casa.
    Convidam-me a entrar na loja do irmão e a comida é servida. Passado um minuto, o irmão diz-me que tenho de casar com a irmã por esta ter cozinhado para mim. Lá me vou rindo e tento não dar muito importância ao casamento. Sentindo-me um pouco incomodado por insistirem no casamento, agradeço pela comida e saio para fumar um último cigarro antes de seguir viagem.
    Quando olho para o lado está a rapariga a mandar vir comigo por eu estar a fumar. Fiquei a pensar, se ela não me é nada e já é assim, casar com ela seria um desastre.
    Continuo viagem e finalmente chego à fronteira do Togo.
    Na hora de me carimbarem a saída do Gana, tenho novamente problemas por não ter um visto no meu passaporte. Felizmente tudo se resolve e lá entro eu no Togo. Sorte ou não, pago 12 euros para entrar no país enquanto um espanhol pagou 70 euros, e acabo por entrar no mesmo dia enquanto uma ou outra pessoa estão já há alguns dias na fronteira para poderem entrar no Togo.
    Nesse dia encontro uma pousada, onde posso finalmente comer algo de jeito e tomar um banho.
    Quando eu pensava que no dia seguinte iria seguir viagem para o Benim, surge mais um problema. Já não dão vistos de entrada para o Benim na fronteira. É preciso ir à embaixada do Benim em Lomé e terei que esperar mais 48 horas para poder levantar o meu passaporte com o visto. Sabia que, com mais dois dias de espera, nunca iria ter tempo para a chegar à Nigéria. Próximo objectivo, chegar ao Benim e pôr de lado a Nigéria.
    Chega finalmente o dia para levantar o meu passaporte e percebo que há quem tenha obtido o visto no próprio dia por terem dado algum dinheiro extra à embaixadora.
    O continente africano tem destas coisas inexplicáveis.
    12705767_10206003298937142_2278450236920507293_nSigo viagem até ao Benim. Passo a fronteira e a primeira criança que me diz um olá com um sorriso, ofereço-lhe a bicicleta.
    Apanho um táxi e sigo viagem até à cidade de Porto Novo. Cidade esta batizada e colonizada pelos portugueses no século XVI.
    Resumindo e concluindo. Nunca ninguém disse que os sonhos seriam fáceis de concretizar.
    Houve sem dúvida alguns momentos complicados. Momentos em que por vezes nos questionamos o porquê de querer fazer algo tão invulgar e estúpido, quando simplesmente poderíamos tornar esta viagem muito mais fácil, nos deslocando de autocarro ou de táxi.
    Mas no final, é bom olharmos para o lado e perceber que viajar de bicicleta nos aproxima mais das pessoas.
    Conhecer bem um país ou a maneira como as pessoas vivem não é ir para um resort com tudo incluído. É sair da zona de conforto e viver como eles.
    Cada viagem é uma lição na vida. Aprendemos imenso e acabamos por dar cada vez mais valor à vida, quando percebemos que um simples balão em África é o despertar dum sorriso no rosto duma criança.
     
    Rui Daniel Silva